quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Cirque du Soleil

Juliana Fernandes

Ulziibuyan Mergen e Oyun-Ederne Senge


Elas têm apenas 14 anos e já atingiram maturidade profissional. As jovens contorcionistas Ulziibuyan Mergen e Oyun-Ederne Senge se desdobram no palco e arrancam aplausos entusiasmados da platéia no espetáculo Alegria, que o Cirque du Soleil apresentou até este fim de semana em Belo Horizonte. No picadeiro, elas esbanjam simpatia em movimentos que desafiam as leis da natureza. Fora dele, elas e as outras crianças que fazem parte da trupe, cumprem uma rotina pesada de estudos. Chegam a ter até 25 horas de aulas semanais e, nas horas de folga, tentam levar uma vida normal.

É uma espécie de escola itinerante, que acompanha o grupo em todos os locais onde se apresentam, define a professora canadense Karen Sallie, que há dois anos trabalha para o circo. “Nossa escola é um pouco diferente de outras escolas. Nós começamos bem mais tarde porque as apresentações são feitas à noite. Geralmente, as aulas vão das 14h às 19h30, por causa das apresentações, mas tudo tem uma rotina. Em todos os lugares que vamos, mantemos as mesmas quatro salas de aulas, as carteiras nos mesmos lugares”, explica a professora, acrescentando que a grade curricular é de uma escola canadense regular. Elas estudam inglês, francês, ciências, matemática, história, geografia, arte e educação física (pra quem não é artista). As salas de aulas são adaptadas nos contêineres que ficam montados próximo a tenda onde acontecem os espetáculos. Na mesma sala, ficam alunos de várias idades. Os temas são expostos pela professora e depois o estudo passa a ser individualizado.
Mergen e Senge começaram a praticar contorcionismo ainda muito pequenas na Mongólia, país natal que tem tradição nessa modalidade. Há três anos viajando com o espetáculo Alegria, elas dizem que apesar da distância da família, já se acostumaram com a rotina. “É difícil ficar longe, mas a gente pode visitá-los de três a quatro vezes por ano”, conta Senge. Ao todo, são nove crianças que viajam com o grupo. Três são artistas e seis filhos de artistas. Quando não tem a companhia dos pais, o circo destaca uma pessoa que chamam de guardião. Essas pessoas estreitam os laços com as crianças e ficam responsáveis por ajudar nas tarefas e atividades do dia-a-dia.

Juliana Fernandes

Professora Karen Sallie



Horas de folga
Nas horas de folga, que são sempre nos domingos e nas segundas, elas aproveitam para conhecer as cidades onde estão instaladas. Adoram visitar museus, principalmente os da Europa. Para elas é uma forma de conhecer e aprender um pouco mais sobre a cultura dos países. No Brasil, destacaram Foz do Iguaçu como um dos mais belos lugares que conheceram e reclamaram do clima de Belo Horizonte. “Estamos gostando de Belo Horizonte, mas às vezes é bem chato. Queremos sair e chove, e continua chovendo. Aí a gente fica em casa (hotél), assiste TV ou faz dever”, diz Mergen.


Maturidade precoce
A professora Sallie destaca que essas crianças amadurecem precocemente. “Eu acho que todos os alunos, tanto os artistas quanto as crianças filhos de artistas, são muito maduros pra idade deles. Especialmente os que são artistas, por causa dos seus hábitos de trabalho e porque é exigido deles um desempenho de alto nível. As que são apenas filhos de artistas também, porque seus pais são muito disciplinados e por ser é uma escola pequena e dedicar a elas muita atenção individual. Nas salas de aula temos somente cinco carteiras, então podemos ter no máximo 5 alunos e um professor em sala. Isso motiva as crianças porque a educação é muito pessoal," acrescenta.

Apesar de tanta disciplina, as jovens contam que encaram o trabalho como “pura diversão”. “Não existe uma apresentação que acaba e a gente diz: nossa, essa foi perfeita. Por mais que a platéia não perceba, os erros acontecem. Mas fazemos o que gostamos e é sempre muito divertido”, define Mergen.

Reação da platéia

"Às vezes fico nervosa, mas é bom sentir a reação do público que é diferente em cada lugar. Por exemplo, no Japão eles ficam mais calados, é como se pudéssemos sentir a respiração deles, que é muito interessante. Na Itália, eles batem muito os pés no chão quando ficam ansiosos. Já no Brasil, o público é mais caloroso, tem uma reação mais aparente. Eles gritam, falam o que tem vontade, se expressam de maneira muito espontânea e isso é legal porque dá pra sentir o que o público está sentido”, conta Senge.


Alimentação

Segundo a professora Sallie, não há regras quanto à alimentação, mas ficam atentas aos exageros. “Elas próprias escolhem o que vão comer. Elas sabem que a sobremesa é liberada, mas apenas uma vez ao dia. Se percebemos que uma ou outra está comendo só sanduíches, por exemplo, damos uma orientação para que equilibre um pouco mais a alimentação”.


Futuro
Segundo elas, a permanência no circo deve ser de apenas mais um ano e já fazem planos para o futuro. “É difícil pensar no que seria se não fosse artista, mas penso que quando deixar o circo quero me dedicar à medicina”, conta Senge, que diz querer se especializar em ginecologia. Já sua colega, confessa ter pensado em seguir várias profissões. “Ainda não sei, mas tenho vontade de ser advogada”, afirma Mergen.