terça-feira, 16 de outubro de 2007

RESGATAR MEMÓRIAS

Era setembro de 1968. Na época dos grandes festivais, Geraldo Vandré ouvia o coro de cerca de 30 mil pessoas no Maracanãzinho vaiando a decisão do júri de escolher a canção “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, como campeã do 3º Festival da Canção. Não adiantou, mas Vandré, que foi perseguido e exilado pouco tempo depois, viu sua canção "Pra não dizer que não falei das flores” virar hino de resistência contra a repressão política, no Brasil da ditadura. Ano mítico, 68 foi o ponto de partida para uma série de transformações políticas, éticas, sexuais e comportamentais, que afetaram as sociedades da época de maneira irreversível. Para resgatar essas e outras histórias, coordenadores dos cursos de jornalismo e publicidade e propaganda lançaram um desafio aos alunos. Responder a pergunta que dá nome ao projeto: “1968, o sonho acabou?” Perto de completar quatro décadas, o tema será pauta de pesquisas para uma exposição, que fará parte do cenário acadêmico, ano que vem, na faculdade Estácio de Sá.
Próximas da utopia para muitos jovens, nos dias de hoje, as ações inflamadas da juventude, naquela época, fizeram parte das motivações de uma geração. Para ajudar na ambientação, músicas e roupas da época fizeram parte da decoração do auditório e os movimentos estudantis de 68 foi o tema central da palestrante Célia Nonata.Para enriquecer o questionamento dos alunos, a historiadora Célia Nonata fez, durante a palestra, ensaio contextualizando o tema, na qual ressaltou o papel do capitalismo como propulsor de muitas mudanças e a importância dos movimentos estudantis organizados. Falou sobre resistência política e a influência de grandes pensadores como Marx e integrantes da escola de Franckfurt. Resgatou fatos importantes no mundo e, em um ambiente muito propício, relatou, com riqueza de detalhes, os movimentos estudantis na França, que marcaram maio de 68.“Discutir o assunto é forma de reavivar valores que fizeram diferença e construíram classes fortes e decisivas no mundo. Depois de 40 anos, os temas em pauta nas grandes manifestações daquele ano ainda são debatidos nas faculdades, mas a falta de engajamento político afasta os universitários dos grandes movimentos, defende Célia Nonata.
O documentário “Barra 68”, de Vladimir Carvalho, que conta a invasão da Universidade de Brasília, UNB, foi exibido para mostrar com detalhes quais eram os pensamentos e as motivações vividas pelos estudantes naquele ano.Marco para os movimentos ecologistas, feministas, das organizações não-governamentais (ONGs) e dos defensores das minorias e dos direitos humanos, 1968 frustrou muita gente também. A não realização dos sonhos propostos, da imaginação chegando ao poder, fez com que parte da juventude militante daquela época se refugiasse no consumo das drogas ou escolhesse a estrada da violência, da guerrilha e do terrorismo urbano. Trazer à luz os anseios que permeavam as pessoas naquele ano faz parte do projeto “1968, o sonho acabou?”, que prevê, para 2008, a publicação de revista temática, jornal, documentários e exposição sobre o assunto.Fazendo contraponto do tema com o futuro, ela se diz desesperançosa. “É necessário acreditar em alguma coisa para haver mudança, não vejo boas perspectivas para o futuro." Para ela, apesar de 68 ter sido um ano muito importante, influências norte-americanas não permitiram que fosse criada uma cultura de contestadores na América Latina (o Brasil incluído), já que os países foram enfraquecidos também pelos governos ditatoriais. Citou com entusiasmo o caso da universidade de Sorbonne, na França, e destacou: “Mais que vontade, faltam ideais aos estudantes. O movimento estudantil tem referencial de idéias. Não temos um arcabouço delas que provoquem ações organizadas", defende.1968 foi um marco.
Resgatar essas lembranças é, sobretudo, uma forma de manter a história viva, refletir sobre questões da época que ainda hoje nos afetam em outros contextos. Os organizadores do projeto destacam que a academia é local de experimentações, de instigar mudanças. Afirmam que saber aplicar conceitos pertinentes daquela época histórica no cotidiano das atividades profissionais da comunicação pode ajudar a sociedade no processo de amadurecimento sobre questões políticas e culturais no nosso país. “O objetivo é trazer para o presente as lembranças do ano tão marcante no mundo, e fazer alusão desses conceitos para o futuro”, definiu o professor de jornalismo Marcelo Freitas.